sábado, 6 de dezembro de 2008


ROSINHA DE IPIOCA

No crepúsculo de uma tarde morna de fim de verão no mês de março de 2005, acabava de sair de um dos caixas eletrônicos da agência do Banco do Brasil da praia de Ponta Verde, quando encontrei na calçada em frente, a sempre sorridente figura de uma grande amigo que herdei de meus irmãos mais velhos. Capitão Carlito Lima, cronista de mão cheia, com vários livros publicados, ocupa hoje, com méritos, uma das cadeiras da Academia Alagoana de Letras. Militar reformado e poeta de nascença, trocou a rígida disciplina das casernas nos quartéis, pelo lirismo boêmio dos bares e bordéis.
Enquanto conversávamos sobre notícias de Cicrano, ou que fim terá levado Beltrano, ou ainda as novidades de Fulano, passou por nós, felizes, um inusitado casal. Ele, um jovem senhor louro, de olhos claros e tez branca avermelhada pelo sol tropical. Ela, morena muito jovem, de olhos e cabelos da cor da asa da jacutinga, transbordava sensualidade no seu caminhar. Paramos, eu e Carlito, para apreciar a beleza alagoana que aquela menina-moça esbanjava, passeando de braços dados com seu afortunado gringo.
- Mas, olhe que formosura! Observou o Capitão, continuando a seguir:
- Antes, essas meninas lindas se satisfasiam com duas cervejinhas, uma blusa nova lá do comércio e um frasco de perfume de alfazema! Sorriam prá gente, e faziam nossa felicidade! Hoje, depois desta nova invasão galega, elas só querem saber de roupa de grife, camarão no almoço, lagosta e champanhe no jantar! Trocaram nosso pobre Real caeté, pelo Euro europeu! Roubaram nossas meninas, Nelson!!
Este comentário avivou minha memória, e relatei à Carlito Lima um fato ocorrido comigo num período de solterice, ocasionado pelo fim de um matrimônio, quando já contava com meus quarenta e poucos anos de idade.
- Que história arretada, Nelsinho! Entusiasmou-se o Capitão!
- Possa aproveitá-la para um conto? Indagou.
- Seria honra demais ter um causo meu relatado por você, Capita! Lhe respondi concordando!
Algumas semanas depois, recebi um e-mail (ou “i-½”, como grafou uma amiga) em que Carlito dizia que havia sido convidado para escrever uma coluna semanal na Gazeta de Alagoas – jornal que pertence à família Collor de Melo –, diário de maior circulação dentro do Estado de Alagoas. Para minha surpresa e alegria, Capitão Carlito avisava que sua estréia como cronista, se daria com a publicação de seu mais novo trabalho, baseado na história que eu lhe contara naquele outro dia. Anexado ao correio eletrônico, vinha este presente que transcrevo a seguir:

Desde menina Rosana ajudava sua mãe Rosália na lavagem de roupas. Eram as lavadeiras preferidas dos veranistas e moradores da praia de Ipioca. Viviam numa casa de taipa no alto da barreira, perto do local aonde nasceu o presidente Floriano Peixoto. Pela manhã Rosana amarrava a trouxa, descia para entregar as roupas lavadas nas casas à beira mar, enquanto os grã-finos se divertiam na praia, ou em suas jangadas e lanchas aportadas nas piscinas naturais formadas por arrecifes dentro do mar verde-azulado no litoral norte alagoano.
Foi durante a Copa do Mundo de Futebol de 1982. O Brasil ganhou da Argentina por 3x1, a festa se prolongou noite adentro. Rosana com seus 16 anos, corpo de mulher, morena, vestido de chita, e a euforia de menina travessa, depois de algumas cervejas e muita festa, se entregou ao namorado nas areias mornas da praia tendo como teto apenas um milhão de estrelas cintilantes. Deu seu amor e sua virgindade a Mané das Cabras, amigo de infância e namorado.
Nove meses depois, na Maternidade Pública Santa Mônica, em Maceió, nasceu Rosa, uma menina rechonchuda, sorridente, com ar matreiro irradiando alegria.
Mané das Cabras era apelido do jovem Manoel da Silva por ter sido apanhado em flagrante com uma cabra. Quando Rosa nasceu ele já havia se arribado para o sul do país. Tocava violão e cantava, queria ser músico famoso da Rede Globo. Rosa teve em seu registro, pai desconhecido. Era mais uma na família de lavadeiras.
Tornou-se uma morena bonita, rosto arredondado, cabelos crespos, nariz meio achatado, olhos amendoados, negros, de uma vivacidade incontrolável, e os lábios grossos pareciam constantemente molhados. Teve uma infância intensa, divertida, pelas praias e nos sítios de coqueiros da vizinhança. Jogava futebol com os meninos, subia em coqueiros como nenhum de seus amigos. Era conhecida em toda redondeza por sua sapequice, alegria e simpatia, lhe chamavam de Rosinha de Ipioca. Quando tomou corpo de mulher, aos 15 anos, chamava atenção por sua sensualidade. Teve a sorte de estudar no grupo escolar e a felicidade de gostar de ler romances, contos, poesias. Menina romântica se apaixonou por um belo rapaz filho de um rico comerciante. Gustavo, louro, olhos azuis, contrastava com a beleza morena de Rosa. A atração entre os dois terminou num quarto da mansão de praia da família de Gustavo. Quando souberam do desvirginamento de uma menor de idade, os pais receosos mandaram o galeguinho-do-olho-azul estudar em Pernambuco. Assim, Rosinha de Ipioca teve a primeira decepção amorosa. Prometeu-se jamais se apaixonar.
Levou uma juventude livre, cuidou-se para não engravidar. Namoradeira, os homens se encantavam com o corpo, a beleza, a sensualidade da menina. Os sortudos que tiveram a ventura de passar uma noite em seus braços gravaram para sempre a extraordinária noitada. O frescor da boca de Rosa ficou impregnado na mente, e dentro do seu ser. Ninguém, jamais esqueceu um simples beijo de Rosinha de Ipioca.
Foi nessa época que Beto, um famoso arquiteto separou-se da mulher. Deixou-a com o filho no apartamento e foi morar com um amigo de infância. Bruno, solteirão, morava na praia de Ipioca para ter preservada sua intimidade de homossexual. Beto e Bruno respeitavam a opção sexual um do outro, eram amigos, muito amigos, quase irmãos.
Certa tarde de sábado Beto tomava cerveja com uma namorada e convidados na varanda da casa. Teve uma alegre surpresa quando entrou aquela jovem com trouxa de roupas na cabeça. Rosa abriu a portinhola da frente sorrindo:
- Bruno!!!!! Olha a sua roupa limpinha pra você sujar de novo!!!!
Seu sorriso enfeitiçou o novo morador. Beto acompanhou Rosa e ajudou-a a colocar a trouxa na cama. Rosinha ficou encantada com a gentileza daquele homem. Senhor educado, bonito, e gentil; uma raridade entre os homens conhecidos. O arquiteto logo acertou também a lavagem de suas roupas.
Três semanas depois desse fato, Beto e Rosinha já conviviam e dormiam nos alvíssimos lençóis lavados e passados por Rosália e Rosana. Foi a melhor época da vida Beto. Toda manhã ele ia trabalhar no seu escritório de arquitetura no centro da cidade, e só chegava à noite na casa de Ipioca, cansado, mas no fundo, na maior ansiedade em ter Rosa nos seus braços. Vida encantadora, sem preconceitos, sem temores ou disputas de uma esposa impertinente e cobradora. Aliás, houve um bendito preconceito. Beto certa vez quis virar o disco, fazer o anal, mas Rosa tinha verdadeiro pavor, fazia tudo que Beto pedisse menos isso. Ele respeitou sua opinião, sua determinação. Rosa percebeu frustração em Beto pela recusa. Na sexta-feira quando o arquiteto chegou do trabalho ávido em carinhos de seu amor, Rosa estava acompanhada de uma amiga bonita tomando cerveja na varanda da casa. Apresentou Gal com um sorriso maroto. Quando pôde, cochichou nos ouvidos:
- Você não gosta de ir por trás? A Graça adora essa safadeza. Eu lhe trouxe de presente. Não me importo.
A partir desse dia Beto dormiu com as duas. Passou mais de um ano bígamo. Aliás, ele dizia estar num paraíso, num sonho, interrompido quando viajou para um curso de seis meses na França. Quando voltou, Rosa havia se casado.
O novo romance de Rosa iniciou no dia da vitória do pentacampeonato mundial de futebol, depois do jogo Brasil 2 x 0 Alemanha. Alguns amigos foram para casa de um simpático alemão apaixonado por Alagoas, morador e curtidor da praia de Riacho Doce, era também festa de despedida, o alemão estava voltando para sua terra. Clemens quando foi apresentado à Rosinha não só ficou encantado, disse para si mesmo que aquela menina era o amor de sua vida, apesar da diferença de idade. Dois meses depois ela viajou de malas e cuia para Munique, casaram-se. Nesses últimos quatro anos Rosa teve uma filha, e passa dois ou três meses por ano em Maceió matando a saudade da terra, da mãe e da avó que hoje moram num confortável apartamento na Jatiúca.
O destino fez com que o alemão recentemente comprasse uma enorme casa à beira-mar, em Ipioca, exposta à venda por um decadente comerciante. A mesma mansão do desvirginamento de Rosa está passando por reformas. A família Clemens virá assistir a Copa do Mundo da Alemanha pela televisão e curtir a praia de Ipioca em sua nova casa. O projeto da reforma e a administração das obras foram entregues a um amigo de Clemens, padrinho de sua filha Rose e ex-amor de Rosa, Beto, o arquiteto, que semana passada, defronte ao Banco do Brasil da Ponta Verde, me contou essa bonita história de amor de Rosinha de Ipioca."

Carlito Lima.

Agradeci a Carlito com esta mensagem:

Caro Amigo Carlito:
Impossível para mim transmitir via e.mail a emoção sentida em ver um singelo momento de minha vida transformar-se numa crônica literária tão cheia de graça, de vida, e de sensualidade, e de outras tantas coisas que só você sabe dar à suas personagens.
Foi como um TESÃO JUVENIL, uma explosão de risos, ereções e lágrimas de alegria!
John Lennon escreveu uma canção (Beautiful Boy) para seu filho onde dizia que “...vida é aquilo que acontece com a gente quando estamos ocupados fazendo outras coisas..."!
Muito Obrigado por traduzir Lennon para mim, e por me fazer compreender Pablo Neruda quando ele escreveu "Confesso que vivi!!".
de seu admirador e amigo,
"Beto", O Arquiteto de Rosa!
E ele me respondeu:
OBRIGADO DIGO EU
SEU EMAIL ESTÁ MAIS BONITO QUE A CRÔNICA
UM ABRAÇO
CARLITO

sábado, 29 de novembro de 2008



A Peleja do Encarnado X Azul
O Pastoril



As maiores pelejas que vi em minha vida, invariavelmente foram protagonizadas pelos Encarnados X os Azuis.
Na minha infância perdi as contas das tantas vezes em que torci fervorosamente pelo escarlate dos Pastoris nas festas de fim-de-ano em Maceió.


“... Boa Noite, meu senhores todos,
Boa noite, senhoras também,
Somos Pastoras, pastorinhas belas,
Que alegremente vamos a Belém...”



O amor pelo vermelho me foi ensinado por meu pai, alvirrubro de coração, mas a paixão verdadeira veio junto a uma picante pitada da imagem da Mestra do Cordão Encarnado, bela morena, que envolvida pelo curto vestido de pastora, deixava à mostra um par de roliças pernas cor de jambo. E eu, menino, sonhava que ela cantava só para mim...



“... Sou a Mestra do Cordão Encarnado,
O meu partido é do coração,
Eu peço palmas, sorrisos e flores,
Aos partidários peço proteção...”


Certa vez, no final da década de 60, no auditório do Colégio Estadual, ali na Rua Barão de Alagoas, centro da cidade de Maceió, aconteceu a coroação da rainha do Pastoril daquele ano. A disputa estava acirrada. Em meio às cantorias das jornadas e a algazarra das torcidas, as pastoras catavam a dinheirama atirada ao palco pelos estudantes. Eram notas de cinco e dez cruzeiros – com as estampas do índio e de Getúlio Vargas –, valores de pouca monta, mas que fazia a festa da garotada.
As cédulas eram desenroladas, esticadas e apregadas com alfinetes, uma abaixo da outra, nos vestidos da Mestra Encarnada ou da Contra-Mestra Azul, formando uma larga e rica fita que desde seus ombros estendia-se até o chão. O Cordão que, ao final da contenda, arrecadasse o maior valor, veria sua Mestra, ou Contra-Mestra, coroada Rainha.
E as Jornadas continuavam:


“... Meu São José dá-me licença
Para o Pastoril dançar...
...Viemos para alegrar,
Jesus nasceu para nos salvar...”



Naquele instante era visível a maior quantidade de notas de dinheiro que ostentava a feliz Contra-Mestra. Somando por alto, só pelo que se avistava, deviam tem quase mil e duzentos cruzeiros dependurados em suas vestes azuis. A desapontada Mestra não conseguia esconder sua tristeza com a evidente derrota. A desilusão de não ser coroada a Rainha do Pastoril não lhe deixava ver que em meus jovens olhos apaixonados estava escrito que ela sempre seria a princesa do meu coração.
Estávamos no final e a Jornada da Despedida já era entoada pelas pastoras. A torcida do Cordão Azul cantava sua vitória:


“... Azul é o céu, azul é o mar,
Azul é a Rainha que nós vamos coroar...”



Os encarnados lisos, e sem mais um tostão que lhes desse esperança de uma reviravolta, emudeceram. Mas, segundos antes dos acordes finais da música que anunciaria o término da peleja, viu-se voar sobre nossas cabeças duas bolinhas de papel amassadas. Cruzaram todo o auditório como estrelas-guia e foram cair aos pés da Mestra do Cordão Encarnado. As rubras pastoras correram depressa para apanhá-las, pois só seriam válidas as cédulas apregadas antes do fim da jornada. E ao desenrolar as notas de dinheiro, ficaram pasmas. O brilho que surgiu em seus rostos contagiou os partidários vermelhos que perceberam a virada do jogo.
As cédulas jogadas no palco eram, cada uma, de “um Cabral”!
Dois mil cruzeiros em notas estalando de novo!
A música acabou! Três longos segundos de silêncio se passaram até o espocar de alegria da torcida encarnada invadir todo o recinto cantando a reviravolta:


“... O Encarnado no seu Palacete,
e o Azul levando cacete...”



Nossa festa pela coroação da Mestra Encarnada contrastava com a revolta anil pela derrota no último minuto. Ainda lembro Geo Bentes, azulino roxo, que aos berros tentava entregar os últimos cruzeiros que lhe restavam na carteira à Contra-Mestra. Mais nada adiantaria, pois dois mil cruzeiros era muito dinheiro para andar no bolso de qualquer garoto de nossa idade.
Naquela tarde o Encarnado triunfou. Nunca descobrimos quem lançou aquela fortuna ao Cordão Encarnado. Durante algum tempo se falou que a Mestra coroada Rainha era afilhada de um juiz da Comarca do Passo de Camaragibe. Outros juram que ela era prometida ao filho de um usineiro. Seu paradeiro é incerto.
Aos treze anos namorei uma menina lourinha e dos cabelos de cachinhos. Ela também namorava outro menino que morava em uma rua perto da minha. Sua ambivalência amorosa se refletia nos palcos natalinos de nossa cidade. Ela era a Diana do Pastoril do Colégio Santíssimo Sacramento.



“... Sou a Diana não tenho partido,
o meu partido são os dois cordões.
Eu peço palmas, sorrisos e flores,
aos meus senhores peço proteção...”

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Pinicão!

Remexendo em seus alfarrábios, minha mãe, Professora Thereza Braga, resgatou uma carta escrita por papai, Professor Ulysses de Mendonça Braga Júnior, ao seu concunhado Manuel Diégues Júnior. Tratava-se, entre outros assuntos, de uma irreverente consulta de uma pendenga familiar, por conta da herança de um objeto de uso pessoal. Trancrevo-a aqui, na íntegra, pois ao que consta, tenho hoje cerca de um terço desta inusitada herança.


"Maceió, 13 de maio de 1958.

Meu Caro Diègues,

Recebi sua carta com as informações obtidas. Muito grato. Espantou-me a desenvoltura com que a CAC deu importância a uma denuncia verbal e logo foi apurá-la. Quem seria o diligente denunciante? Não seria a oportunidade para conseguirmos excluir de vez o meu processo de acumulação que transita no DASP há quatro anos? Aguardo os novos esclarecimentos prometidos.
- Transmiti seu recado ao Pi, que não está dando muita bola. De quem ele fala vez por outra é do Dôdô. Também do Cae. O mais ele não está dando confiança. Ele continua bem fortezinho e sabidíssimo.
- Diga a Zaira que seu Fontes continua do mesmo jeito. Quinta-feira chegou aqui o Edson e sexta o Bayron. Viajaram sábado à tarde, sendo que Edson prometeu estar aqui de volta até sexta-feira. Insistiram muito para modificar as condições em que o velho esta terminando a vida. Ele não aceitou, nem ir para o Recife, nem se internar numa casa de saúde aqui mesmo. Creio que a secretária se opõe a que ele deixe a casa, pois nela ela é dona e há suas vantagens. Eles aqui procuraram se inteirar da situação de seu Fontes e tudo mostrei. Combinaram então que se deveria evitar encrencas post mortem e decidiram tentar uma solução amigável com o dr. Luiz Buarque para o caso da Granja, mediante a entrega pelo proprietário de parte do imóvel para quitação de crédito de José Fontes e Cia.. Pediram meu parecer e eu concordei. O Byron disse-me que estaria aí no dia 23 e conversaria com v. a respeito para ter também sua solução.
- Recebi pela Marina um recado da d. Baby que está me dando preocupações. É a respeito de um velho pinicão que existia na casa dela e ficou lá em casa. Tive a infeliz ideia de emprestá-lo a seu Fontes, a pedido dele, e nunca mais tive descanso. Agora d. Baby quer que tire o pinicão de lá e deixe na casa da Liu. E aqui então começa o embeleco, que v. como jurísta e historiador pode me ajudar a deslindar. Contam os mais velhos que no começo do século o tolerante móvel aportou em Maceió, em um Ita, trazido por tia Tété de S. Paulo. Dizem que a velha mascava muito fumo de corda e isso lhe trazia frequentes complicações intestinais. Abaixar-se em um vaso comum muitas vezes ao dia não era lá muito cómodo. E o pinicão era da altura de uma cadeira e a boa velhinha podia comodamente atender ao mesmo tempo à causa e ao efeito; o fumo mascado e a diarreia constante. Contam que o estranho objeto causou admiração ao chegar, naqueles tempos longínquos, à rua de Santo Amaro, hoje Uruguay. E ao ter tia Tété e a filha, tia Pudú, de se mudarem para a rua da Praia, deixaram o pinicão na casa de seu Fontes, a título de empréstimo, pois lá ele também era de muita serventia, pois os meninos tinham de tomar, segundo a exigência paterna, dois purgativos por ano. Nem a tia Tété, nem a tia Pudú, no entanto, renunciaram à propriedade, e a presença do pinicão na casa de seu Fontes representava um simples empréstimo, a título gratuito, isto que os civilistas chamam de comodato. Morre tia Tété e a propriedade passa à tia Pudú. Morta esta, a herança é, sem dúvida, de seus filhos, Edgar, ainda vivo, e Nelson, já falecido, mas representado por dois herdeiros, Lulú e Tereza. Esta, atualmente residindo em Maceió, reclama sua parte na herança. É proprietária de um quarto do pinicão e talvez consiga, por renuncia da herança pelos demais herdeiros, a propriedade de todo o bem. E os títulos de propriedade de d. Baby, quais são? Entrego-lhe o caso, meu caro Diègues, para que v. com a lei e a história, cousas que lhe são familiares, me dê luz, pois estou ameaçado de ser também consenhor do pinicão se conseguir convolar núpcias, pelo regime de comunhão de bens, com uma das herdeiras.
E os meninos, como vão? Beije-os por mim, abraços para Zaira e os seus meninos do
Ulysses

A História da Concha do Mar!

Letra e Música de Nelson Braga. Classificou-se em segundo lugar no terceiro Festival Universitário da Música em 1981/82. Executada pela Beira Banda da Lagoa e gravada no Disco do III Festival Universitário de Música (LP em Vinil) e no Compacto Duplo da Beira Banda da Lagoa (CD em Vinil).

Na rua do Sol
Você vinha subindo ladeiras
Correndo, balançando as cadeiras
Melada de amor e suor.
Cantando um frevo
que o marinheiro pediu
olhou para o céu e sorriu
Sentiu purpurina no ar.
E foi com o sorriso aberto
E o coração alucinado
Que puxou um Cordão Encarnado
Que se formou a seu lado
De mil foliões encantados
Arlequins apaixonados
Que olhavam...
...Prá Lua
Perdida que se achou
Pelo céu caminhando e mostrou
Uma avenida na beira da praia.
E você dançou
A noite inteira
E na quarta-feira
Na lambida das ondas na araei
Você sumiu,
E surgiu
A Concha do Mar...
Lá, laiá, láiá,
Lá, laiá!

Para escutar a música, com a gravação original, acesse:

http://www.bairrosdemaceio.net/musicas/player.php?Id=225&Tipo=Musica&Clique=Sim

sábado, 1 de novembro de 2008

Samba do Crioulo Doido!

Esta história é uma contribuição ao já vasto arquivo de "pérolas" cunhadas por nossos valorosos estudantes segundaristas.
Certa noite, no início do mês de novembro, fomos eu, minha companheira e seus dois filhos mais novos, Tico, então com vinte anos, e Tuca, no auge de suas catorze primaveras, saborear uma pizza numa das barracas de nossa orla. Apesar da semelhança de suas alcunhas com os célebres esquilos Tico & Teco, hérois das histórias em quadrinhos, Tico & Tuca, com estes, só têm em comum o tamanho do cérebro!
Entre uma fatia de pizza e outra, Tico, o mais velho, puxa uma conversa:
- Véio! Quinta-feira é feriado! Vou ligar pros cara para ver o que a gente vai fazer!
Aproveitei a deixa para aferir seus conhecimentos cívicos, e indaguei:
- Você sabe o que é comemorado no dia 15 de Novembro?
Ao que Tico respondeu com a boca ainda cheia:
- Sei lá! Deve ser mais um desses feriados santo!
Antes que eu podesse corrigí-lo dissertando sobre a Proclamação da República, Tuca, que a tudo ouvia, mesmo com os olhos pregados em sua pizza cheia de catchupe, afirmou em tom professoral:
- Cabra Burro! Tudo mundo sabe que dia 15 de Novembro é a RESSURREIÇÃO DO BRASIL!!
Calei-me diante de tanta convicção. E, até hoje, tenho dúvidas se a resposta de Tuca foi um equívoco juvenil ou tratava-se de um posicionamento político!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O Valor do Carro!

Zé de Ascânio é um achado! Figurinha carimbada lá das bandas do litoral Sul de Alagoas, é facilmente encontrado tomando uma gelada e escutando o rei, Roberto Carlos, ainda em vinil, num determinado boteco da cidade de Coruripe. Gente Boa, Sangue Bom, Cara Arretado, e outros tantos adjetivos relacionados ao tema, servem para qualificar seu humor e seu carisma. Bom de papo e negociante de primeira linha, faz a vida ficar mais alegre com suas hilariantes histórias!
Sempre negociou com carros usados, comprando-os para dar uma "meia sola" e passar adiante com algum lucro. Recentemente soube que um primo seu, morador em um sítio nas proximidades do Pontal do Coruripe, queria se desfazer de um carro, Escort Hobby, 1994, que há muito permanecia estacionado embaixo de um pé de cajarana nos fundos do quintal de sua casa. Abandonado, o enferrujado Escort servia de abrigo para suas galinhas de capoeira. Zé de Ascânio se interessou pelo "ferro-velho", e resolveu ir até o sítio do primo adquirir o que ele chamou de "aquela raridade"! Antes, porém, com o número da placa do automóvel em mãos, passou no Departamento de Trânsito Municipal para levantar os débitos do veículo junto ao erário público. O pendura para a regularização do carro, já estava em mil e quatrocentos reais!
Chegou ao sítio do primo logo depois do almoço, a tempo de pegar a sobremesa: doce de banana batido com uma talhada de queijo coalho fresco! Depois de um copo d'água bem gelado, enveredaram-se, Zé e o primo, pela negociação daquela "beleza" de carro!
- Tá veinho, mas tá bom! Dizia, com soberba, o primo!
E continuou:
- Me dá quanto por ele?
Zé de Ascânio fez cara compenetrada. A mão passeava pela barba mal feita, dando ao tempo o suspense dramático necessário para enaltecer sua miserável oferta. Dentro da casa, a tia de Zé, mãe do primo, acendia vela e fazia reza forte para que a venda daquele monturo se concretiza-se, e ela se visse livre de uma vez daquele foco de tétano e dengue que o filho teimava em manter nos fundos do sítio!
- Eu levo o carro pelo débito no Detran! Tascou, assim de chofre, Zé de Ascânio na cara do primo.
Este devolveu de imediato:
- Vôte! E eu não vou "morder" nadinha não, é?!
- E quanto você ainda quer pela carro? indagou Zé.
- Pelo menos uns dois mil reais! Isso é um carro da Ford! Exaltou o primo.
Zé de Ascânio desmereceu:
- Mas está muito mal cuidado! vou gastar um dinheirão para arrumar o carro!
- Bote preço! Insistiu o primo.
Novo suspense estratégico, e Zé deu outra estocada:
- Dou quinhentos contos!
Sentiu que o primo acusou o golpe, e vendo em seus olhos que ele estava prestes a sucumbir a tal proposta, emendou diminuindo ainda mais:
- Quinhentos contos! Prá você tirar em carne de boi, lá no açougue do Bira, durante três meses! Depois eu me acerto com ele!
O primo chega murchou. Deu as costas para o Zé, olhou o céu, bufou e soltou um silencioso putaqueopariu!
A tia agoniou-se, e achando que as negociações haviam atravancado, interferiu, trazendo um cafezinho para o sobrinho, e dirigindo-se ao filho:
- Aceita a carne, menino! Esse monte de ferrugem nem ligar, liga mais!
- Mas eu tô querendo um celular, mãe! Disse o primo em tom infantil.
Zê de Ascânio percebeu que estava por cima, enfiou a mão no bolso sacando seu telefone celular, e exibindo-o ao primo, deu-lhe mais um golpe!
- Tome o meu! É um V3 novinho em folha! Só tiro o chip, que é particular!
O primo estava quase entregue, mas ainda teve fôlego para reagir:
- Fico com o celular mais a carne!
Agora foi a vez de Zé suspirar:
- Quinhentos contos de carne, mais o celular, é muito! Dou o telefone e mais cinco quilos de carne! Topa?
O primo viu que abrira uma brecha para exigir mais:
- Bote mais cinco! Faça dez quilos de carne que eu fecho o negócio!
Mas Zé de Ascânio ainda tinha pano para as mangas, e bateu com força no capô do Escort Hobby 94:
- Dou cinco quilos sem osso, e cinco com osso! Quer?!
A proposta atingiu o primo como um murro na boca do estômago! Ele ficou calado, suando e com os olhos arregalados. Zé sentiu até pena do parente. Aí, então, jogou a pá de cal:
- ...E ainda trago meia grade de cerveja gelada para a gente comemorar o negócio fechado!!! Tá feito?
- Tá feito! Pelo amor de deus, Tá feito! Berrou a tia, com os braços levantados como louvasse à algum anjo-da-guarda! E por não aguentar tanto desdobro naquela negócio, ofereceu:
- ...Ainda "intero" a grade de cerveja, prá vocês beberem comendo um churrasco com esses dez quilos de carne!!!!!
Soube que a festa foi no domingo passado. O Escort Hobby 94 já está na oficina. Zé de Ascânio me disse que vai pegar uns seis mil reais no carrinho que está ficando lindo!
Trancrevo artigo publicado pelo jornalista Ênio Lins na Gazeta de Alagoas de 24 de Outubro de 2000. Recentemente, Ênio pediu-me para escrever as memórias que tenho destes anos (de 1979 a 1986), quando participei dos movimentos culturais que agitavam a cidade de Maceió. No transcorrer destas postagens, publicarei reminiscências desta época.



Terça-feira, 24 de outubro de 2000

NOITES FÉRTEIS PARA A CULTURA EM MACEIÓ

Do popular alagoano ao melhor pop/rock nacional, Maceió viveu ótimos momentos nas noites de sexta e sábado

Pois a Beira Banda da Lagoa confirmou todas as expectativas e fez um senhor espetáculo na noite de sexta-feira. As ruas no entorno do Engenho Jaraguá ficaram lotadas e os veteranos jogaram pesado, revivendo o clima dos anos 80 em grande estilo.
O evento tem alguns destaques a registrar. Primeiro, o resgate em si, coisa exemplar para mais grupos artísticos e culturais das Alagoas. Olha que a Beira Banda da Lagoa teve uma existência quase efêmera, na virada da década de 70 para a de 80. Gravou um disco, um grande mérito. Mas outros tantos grupos floresceram por aqueles tempos e tiveram existências mais longevas, como foi o caso do Grupo Terra. E a tribo do cinema, quando vai revitalizar-se. Olha aí a boa lição desses respeitáveis senhores da Beira Banda da Lagoa.
Nelsinho Braga, Zé Barros, Jatiúca e Máclein mostraram um trabalho que comprova a busca da inovação e da qualidade desde há (pelo menos) 20 anos. Outro fato digno de elogios é o relançamento do CD com as músicas do antigo compacto simples. Um documento importante, garantindo a preservação da memória musical recente. É tão mais importante exatamente porque muitas pessoas que acompanharam e vivenciaram os acontecimentos culturais de apenas duas décadas atrás não mais se lembravam das músicas e da qualidade do trabalho da Beira Banda da Lagoa. E muitos casos de manifestações artísticas (recentes) ainda estão no esquecimento. Mirem-se, então, no exemplo da Beira Banda da Lagoa.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Mania de Pau! Observo com um "pé atrás" esta nova mania de forrar as fachadas de alguns empreendimentos comerciais de Maceió com madeira. Apesar de se tratar de um revestimento belo e nobre, a madeira que se encontra à disposição em nosso mercado não é a adequada para este fim! Em Alagoas são comercializadas madeiras oriundas da Região Norte do Brasil (Maçaranduba, jatobá, angelim, etc.), e que são mais afeitas ao clima quente e úmido da região equatoriana. Para serem aplicadas aqui em nossa cidade, que tem um clima mais seco, estas toras deveriam passar por um processo de estufa para sua completa secagem. Tal processo só é realizado na Região Sudeste de nosso país (Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo), tornando inviável a comercialização de madeira seca e estéril aqui no Nordeste. As nossas madeireiras só dispõem da chamada madeira verde, ainda viva e cheia de seiva, sensíveis às nosssas entempéries, e sujeitas a empenos e ao aparecimento de rachas!
Será a vez do Agreste? Não tenho o costume de fazer previsões. Deixo para os expertos do assunto! Mas penso que, após as últimas eleições municipais aqui em Alagoas, o prefeito reeleito de Arapiraca, Luciano Barbosa, consolidou sua liderança na região do agreste alagoano, e pode sair bastante forte para disputar a governança do Estado!
Transcrevo a seguir artigo do Professor Cláudio de Moura Castro, publicado na coluna Ponto de Vista da revista Veja – ano 39, n.º 48, pág. 22, de 06/12/2006. Este artigo impressionou-me pela verdade que escancara com clareza e objetividade. Quiçá refletíssemos sobre o fato, levando este ensinamento adiante!

Uma Sociedade Atrasada

"Neste país os problemas do desenvolvimento econômico incluem a necessidade de modernizar a economia, a educação, a administração pública e os domínios científicos, filosóficos e espirituais. Ademais, falta realmente uma noção de igualdade entre as pessoas. Aceita-se a estratificação da sociedade, e as atitudes diante do povo são feudais e paternalistas. Algumas famílias cultivam o ódio por outras durante gerações. Diante de um conflito, não há limites para mentiras, conchavos e intrigas a fim de desmoralizar o inimigo. Em contraste, as famílias se endividam para oferecer festas de casamento suntuosas ou para receber convidados.A verdade só é bem-vinda quando traz alegria e paz. A franqueza é uma idéia que ainda não se consolidou. O sentimento imediato é tudo. Para não desagradar, o sapateiro promete o conserto para uma data que não pode cumprir.Há pouca confiança nas instituições e no governo. Pensa-se que eles existem, sobretudo, para beneficiar os homens públicos. É o dinheiro que faz a burocracia andar. Nos negócios, o puxa-saquismo é um meio de vida. Muitos são céticos, não acreditam que o progresso do país seja possível. A sociedade desenvolveu certo fatalismo. Muitos tendem a viver no dia-a-dia, dando pouca importância ao planejamento do futuro e à prevenção. Quando alguém começa a subir, sempre haverá um outro puxando-o para baixo, desacreditando ou trapaceando. As pessoas tentam as aventuras econômicas mais extravagantes com um mínimo de informação ou estudo. Mas ficam estarrecidas quando fracassam ou perdem tudo. Formação profissional ou qualquer atividade que envolva o uso das mãos ainda é uma coisa indesejável. Muitas empresas não têm controle de qualidade nem pensam que o produto entregue deve ter a mesma qualidade da amostra exibida antes. Falta o sentido da obrigação de cumprir um contrato, e não se considera necessário pagar em tempo as dívidas contraídas. Uma das causas do atraso são os desfalques nas empresas. Roubar é esperto. Ser apanhado roubando é estúpido ou falta de sorte. Como não se pode confiar nos empregados, é melhor contratar alguém da família. Muitos não conseguem desempenhar suas ocupações por causa de anemia crônica, vermes ou deficiências renais. Muitos doentes sérios não são tratados. Raramente uma apendicite é diagnosticada antes que se forme um abscesso.Que país é esse? Quando criança, Paul S. Crane acompanhou o seu pai, um missionário americano enviado à Coréia. Voltou para os Estados Unidos, formou-se em medicina e retornou à Coréia, para dirigir um hospital. Em 1967, escreveu Korean Patterns, com o objetivo de orientar americanos em visita àquele país. Montei os parágrafos anteriores com trechos pescados do livro, traduzido e citado sem alterações, exceto pela eliminação de partes que tirariam a surpresa do texto.Nada que lembre a Coréia de hoje, incensada pelos jornalistas e visitada por mim há pouco tempo. Pelo contrário, parece a descrição de um Brasil velho que teimosamente sobrevive. Todas as mazelas morais, econômicas e administrativas são parecidas com as nossas. Os mais pessimistas diriam que descreve o Brasil verdadeiro, o novo sendo pura miragem.É leviano tirar conclusões a partir de tão pouco. Mas podemos arriscar alguns palpites. Se a Coréia conseguiu dar a volta por cima, por que nós não podemos? Há pontos mais sutis. Ao que parece, as pessoas são vulneráveis e a moralidade não resiste à fome. Não obstante, quando as condições materiais melhoram, a sociedade se depura, as virtudes mais elevadas encontram maior espaço e os instintos mais primitivos são coibidos, num processo virtuoso em que os sucessos de um lado realimentam o outro. Tomando-se uma distância histórica, a evolução da Coréia não é tão diferente da trajetória brasileira – que também foi muito positiva até quase o fim do século XX. O problema é que nossa impaciência não tolera o ritmo da história recente. Talvez a disciplina e o estoismo dos coreanos, acumulados ao longo de 3000 mil anos de uma história sofrida, possam nos ajudar."