quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O Valor do Carro!

Zé de Ascânio é um achado! Figurinha carimbada lá das bandas do litoral Sul de Alagoas, é facilmente encontrado tomando uma gelada e escutando o rei, Roberto Carlos, ainda em vinil, num determinado boteco da cidade de Coruripe. Gente Boa, Sangue Bom, Cara Arretado, e outros tantos adjetivos relacionados ao tema, servem para qualificar seu humor e seu carisma. Bom de papo e negociante de primeira linha, faz a vida ficar mais alegre com suas hilariantes histórias!
Sempre negociou com carros usados, comprando-os para dar uma "meia sola" e passar adiante com algum lucro. Recentemente soube que um primo seu, morador em um sítio nas proximidades do Pontal do Coruripe, queria se desfazer de um carro, Escort Hobby, 1994, que há muito permanecia estacionado embaixo de um pé de cajarana nos fundos do quintal de sua casa. Abandonado, o enferrujado Escort servia de abrigo para suas galinhas de capoeira. Zé de Ascânio se interessou pelo "ferro-velho", e resolveu ir até o sítio do primo adquirir o que ele chamou de "aquela raridade"! Antes, porém, com o número da placa do automóvel em mãos, passou no Departamento de Trânsito Municipal para levantar os débitos do veículo junto ao erário público. O pendura para a regularização do carro, já estava em mil e quatrocentos reais!
Chegou ao sítio do primo logo depois do almoço, a tempo de pegar a sobremesa: doce de banana batido com uma talhada de queijo coalho fresco! Depois de um copo d'água bem gelado, enveredaram-se, Zé e o primo, pela negociação daquela "beleza" de carro!
- Tá veinho, mas tá bom! Dizia, com soberba, o primo!
E continuou:
- Me dá quanto por ele?
Zé de Ascânio fez cara compenetrada. A mão passeava pela barba mal feita, dando ao tempo o suspense dramático necessário para enaltecer sua miserável oferta. Dentro da casa, a tia de Zé, mãe do primo, acendia vela e fazia reza forte para que a venda daquele monturo se concretiza-se, e ela se visse livre de uma vez daquele foco de tétano e dengue que o filho teimava em manter nos fundos do sítio!
- Eu levo o carro pelo débito no Detran! Tascou, assim de chofre, Zé de Ascânio na cara do primo.
Este devolveu de imediato:
- Vôte! E eu não vou "morder" nadinha não, é?!
- E quanto você ainda quer pela carro? indagou Zé.
- Pelo menos uns dois mil reais! Isso é um carro da Ford! Exaltou o primo.
Zé de Ascânio desmereceu:
- Mas está muito mal cuidado! vou gastar um dinheirão para arrumar o carro!
- Bote preço! Insistiu o primo.
Novo suspense estratégico, e Zé deu outra estocada:
- Dou quinhentos contos!
Sentiu que o primo acusou o golpe, e vendo em seus olhos que ele estava prestes a sucumbir a tal proposta, emendou diminuindo ainda mais:
- Quinhentos contos! Prá você tirar em carne de boi, lá no açougue do Bira, durante três meses! Depois eu me acerto com ele!
O primo chega murchou. Deu as costas para o Zé, olhou o céu, bufou e soltou um silencioso putaqueopariu!
A tia agoniou-se, e achando que as negociações haviam atravancado, interferiu, trazendo um cafezinho para o sobrinho, e dirigindo-se ao filho:
- Aceita a carne, menino! Esse monte de ferrugem nem ligar, liga mais!
- Mas eu tô querendo um celular, mãe! Disse o primo em tom infantil.
Zê de Ascânio percebeu que estava por cima, enfiou a mão no bolso sacando seu telefone celular, e exibindo-o ao primo, deu-lhe mais um golpe!
- Tome o meu! É um V3 novinho em folha! Só tiro o chip, que é particular!
O primo estava quase entregue, mas ainda teve fôlego para reagir:
- Fico com o celular mais a carne!
Agora foi a vez de Zé suspirar:
- Quinhentos contos de carne, mais o celular, é muito! Dou o telefone e mais cinco quilos de carne! Topa?
O primo viu que abrira uma brecha para exigir mais:
- Bote mais cinco! Faça dez quilos de carne que eu fecho o negócio!
Mas Zé de Ascânio ainda tinha pano para as mangas, e bateu com força no capô do Escort Hobby 94:
- Dou cinco quilos sem osso, e cinco com osso! Quer?!
A proposta atingiu o primo como um murro na boca do estômago! Ele ficou calado, suando e com os olhos arregalados. Zé sentiu até pena do parente. Aí, então, jogou a pá de cal:
- ...E ainda trago meia grade de cerveja gelada para a gente comemorar o negócio fechado!!! Tá feito?
- Tá feito! Pelo amor de deus, Tá feito! Berrou a tia, com os braços levantados como louvasse à algum anjo-da-guarda! E por não aguentar tanto desdobro naquela negócio, ofereceu:
- ...Ainda "intero" a grade de cerveja, prá vocês beberem comendo um churrasco com esses dez quilos de carne!!!!!
Soube que a festa foi no domingo passado. O Escort Hobby 94 já está na oficina. Zé de Ascânio me disse que vai pegar uns seis mil reais no carrinho que está ficando lindo!
Trancrevo artigo publicado pelo jornalista Ênio Lins na Gazeta de Alagoas de 24 de Outubro de 2000. Recentemente, Ênio pediu-me para escrever as memórias que tenho destes anos (de 1979 a 1986), quando participei dos movimentos culturais que agitavam a cidade de Maceió. No transcorrer destas postagens, publicarei reminiscências desta época.



Terça-feira, 24 de outubro de 2000

NOITES FÉRTEIS PARA A CULTURA EM MACEIÓ

Do popular alagoano ao melhor pop/rock nacional, Maceió viveu ótimos momentos nas noites de sexta e sábado

Pois a Beira Banda da Lagoa confirmou todas as expectativas e fez um senhor espetáculo na noite de sexta-feira. As ruas no entorno do Engenho Jaraguá ficaram lotadas e os veteranos jogaram pesado, revivendo o clima dos anos 80 em grande estilo.
O evento tem alguns destaques a registrar. Primeiro, o resgate em si, coisa exemplar para mais grupos artísticos e culturais das Alagoas. Olha que a Beira Banda da Lagoa teve uma existência quase efêmera, na virada da década de 70 para a de 80. Gravou um disco, um grande mérito. Mas outros tantos grupos floresceram por aqueles tempos e tiveram existências mais longevas, como foi o caso do Grupo Terra. E a tribo do cinema, quando vai revitalizar-se. Olha aí a boa lição desses respeitáveis senhores da Beira Banda da Lagoa.
Nelsinho Braga, Zé Barros, Jatiúca e Máclein mostraram um trabalho que comprova a busca da inovação e da qualidade desde há (pelo menos) 20 anos. Outro fato digno de elogios é o relançamento do CD com as músicas do antigo compacto simples. Um documento importante, garantindo a preservação da memória musical recente. É tão mais importante exatamente porque muitas pessoas que acompanharam e vivenciaram os acontecimentos culturais de apenas duas décadas atrás não mais se lembravam das músicas e da qualidade do trabalho da Beira Banda da Lagoa. E muitos casos de manifestações artísticas (recentes) ainda estão no esquecimento. Mirem-se, então, no exemplo da Beira Banda da Lagoa.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Mania de Pau! Observo com um "pé atrás" esta nova mania de forrar as fachadas de alguns empreendimentos comerciais de Maceió com madeira. Apesar de se tratar de um revestimento belo e nobre, a madeira que se encontra à disposição em nosso mercado não é a adequada para este fim! Em Alagoas são comercializadas madeiras oriundas da Região Norte do Brasil (Maçaranduba, jatobá, angelim, etc.), e que são mais afeitas ao clima quente e úmido da região equatoriana. Para serem aplicadas aqui em nossa cidade, que tem um clima mais seco, estas toras deveriam passar por um processo de estufa para sua completa secagem. Tal processo só é realizado na Região Sudeste de nosso país (Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo), tornando inviável a comercialização de madeira seca e estéril aqui no Nordeste. As nossas madeireiras só dispõem da chamada madeira verde, ainda viva e cheia de seiva, sensíveis às nosssas entempéries, e sujeitas a empenos e ao aparecimento de rachas!
Será a vez do Agreste? Não tenho o costume de fazer previsões. Deixo para os expertos do assunto! Mas penso que, após as últimas eleições municipais aqui em Alagoas, o prefeito reeleito de Arapiraca, Luciano Barbosa, consolidou sua liderança na região do agreste alagoano, e pode sair bastante forte para disputar a governança do Estado!
Transcrevo a seguir artigo do Professor Cláudio de Moura Castro, publicado na coluna Ponto de Vista da revista Veja – ano 39, n.º 48, pág. 22, de 06/12/2006. Este artigo impressionou-me pela verdade que escancara com clareza e objetividade. Quiçá refletíssemos sobre o fato, levando este ensinamento adiante!

Uma Sociedade Atrasada

"Neste país os problemas do desenvolvimento econômico incluem a necessidade de modernizar a economia, a educação, a administração pública e os domínios científicos, filosóficos e espirituais. Ademais, falta realmente uma noção de igualdade entre as pessoas. Aceita-se a estratificação da sociedade, e as atitudes diante do povo são feudais e paternalistas. Algumas famílias cultivam o ódio por outras durante gerações. Diante de um conflito, não há limites para mentiras, conchavos e intrigas a fim de desmoralizar o inimigo. Em contraste, as famílias se endividam para oferecer festas de casamento suntuosas ou para receber convidados.A verdade só é bem-vinda quando traz alegria e paz. A franqueza é uma idéia que ainda não se consolidou. O sentimento imediato é tudo. Para não desagradar, o sapateiro promete o conserto para uma data que não pode cumprir.Há pouca confiança nas instituições e no governo. Pensa-se que eles existem, sobretudo, para beneficiar os homens públicos. É o dinheiro que faz a burocracia andar. Nos negócios, o puxa-saquismo é um meio de vida. Muitos são céticos, não acreditam que o progresso do país seja possível. A sociedade desenvolveu certo fatalismo. Muitos tendem a viver no dia-a-dia, dando pouca importância ao planejamento do futuro e à prevenção. Quando alguém começa a subir, sempre haverá um outro puxando-o para baixo, desacreditando ou trapaceando. As pessoas tentam as aventuras econômicas mais extravagantes com um mínimo de informação ou estudo. Mas ficam estarrecidas quando fracassam ou perdem tudo. Formação profissional ou qualquer atividade que envolva o uso das mãos ainda é uma coisa indesejável. Muitas empresas não têm controle de qualidade nem pensam que o produto entregue deve ter a mesma qualidade da amostra exibida antes. Falta o sentido da obrigação de cumprir um contrato, e não se considera necessário pagar em tempo as dívidas contraídas. Uma das causas do atraso são os desfalques nas empresas. Roubar é esperto. Ser apanhado roubando é estúpido ou falta de sorte. Como não se pode confiar nos empregados, é melhor contratar alguém da família. Muitos não conseguem desempenhar suas ocupações por causa de anemia crônica, vermes ou deficiências renais. Muitos doentes sérios não são tratados. Raramente uma apendicite é diagnosticada antes que se forme um abscesso.Que país é esse? Quando criança, Paul S. Crane acompanhou o seu pai, um missionário americano enviado à Coréia. Voltou para os Estados Unidos, formou-se em medicina e retornou à Coréia, para dirigir um hospital. Em 1967, escreveu Korean Patterns, com o objetivo de orientar americanos em visita àquele país. Montei os parágrafos anteriores com trechos pescados do livro, traduzido e citado sem alterações, exceto pela eliminação de partes que tirariam a surpresa do texto.Nada que lembre a Coréia de hoje, incensada pelos jornalistas e visitada por mim há pouco tempo. Pelo contrário, parece a descrição de um Brasil velho que teimosamente sobrevive. Todas as mazelas morais, econômicas e administrativas são parecidas com as nossas. Os mais pessimistas diriam que descreve o Brasil verdadeiro, o novo sendo pura miragem.É leviano tirar conclusões a partir de tão pouco. Mas podemos arriscar alguns palpites. Se a Coréia conseguiu dar a volta por cima, por que nós não podemos? Há pontos mais sutis. Ao que parece, as pessoas são vulneráveis e a moralidade não resiste à fome. Não obstante, quando as condições materiais melhoram, a sociedade se depura, as virtudes mais elevadas encontram maior espaço e os instintos mais primitivos são coibidos, num processo virtuoso em que os sucessos de um lado realimentam o outro. Tomando-se uma distância histórica, a evolução da Coréia não é tão diferente da trajetória brasileira – que também foi muito positiva até quase o fim do século XX. O problema é que nossa impaciência não tolera o ritmo da história recente. Talvez a disciplina e o estoismo dos coreanos, acumulados ao longo de 3000 mil anos de uma história sofrida, possam nos ajudar."