quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Transcrevo a seguir artigo do Professor Cláudio de Moura Castro, publicado na coluna Ponto de Vista da revista Veja – ano 39, n.º 48, pág. 22, de 06/12/2006. Este artigo impressionou-me pela verdade que escancara com clareza e objetividade. Quiçá refletíssemos sobre o fato, levando este ensinamento adiante!

Uma Sociedade Atrasada

"Neste país os problemas do desenvolvimento econômico incluem a necessidade de modernizar a economia, a educação, a administração pública e os domínios científicos, filosóficos e espirituais. Ademais, falta realmente uma noção de igualdade entre as pessoas. Aceita-se a estratificação da sociedade, e as atitudes diante do povo são feudais e paternalistas. Algumas famílias cultivam o ódio por outras durante gerações. Diante de um conflito, não há limites para mentiras, conchavos e intrigas a fim de desmoralizar o inimigo. Em contraste, as famílias se endividam para oferecer festas de casamento suntuosas ou para receber convidados.A verdade só é bem-vinda quando traz alegria e paz. A franqueza é uma idéia que ainda não se consolidou. O sentimento imediato é tudo. Para não desagradar, o sapateiro promete o conserto para uma data que não pode cumprir.Há pouca confiança nas instituições e no governo. Pensa-se que eles existem, sobretudo, para beneficiar os homens públicos. É o dinheiro que faz a burocracia andar. Nos negócios, o puxa-saquismo é um meio de vida. Muitos são céticos, não acreditam que o progresso do país seja possível. A sociedade desenvolveu certo fatalismo. Muitos tendem a viver no dia-a-dia, dando pouca importância ao planejamento do futuro e à prevenção. Quando alguém começa a subir, sempre haverá um outro puxando-o para baixo, desacreditando ou trapaceando. As pessoas tentam as aventuras econômicas mais extravagantes com um mínimo de informação ou estudo. Mas ficam estarrecidas quando fracassam ou perdem tudo. Formação profissional ou qualquer atividade que envolva o uso das mãos ainda é uma coisa indesejável. Muitas empresas não têm controle de qualidade nem pensam que o produto entregue deve ter a mesma qualidade da amostra exibida antes. Falta o sentido da obrigação de cumprir um contrato, e não se considera necessário pagar em tempo as dívidas contraídas. Uma das causas do atraso são os desfalques nas empresas. Roubar é esperto. Ser apanhado roubando é estúpido ou falta de sorte. Como não se pode confiar nos empregados, é melhor contratar alguém da família. Muitos não conseguem desempenhar suas ocupações por causa de anemia crônica, vermes ou deficiências renais. Muitos doentes sérios não são tratados. Raramente uma apendicite é diagnosticada antes que se forme um abscesso.Que país é esse? Quando criança, Paul S. Crane acompanhou o seu pai, um missionário americano enviado à Coréia. Voltou para os Estados Unidos, formou-se em medicina e retornou à Coréia, para dirigir um hospital. Em 1967, escreveu Korean Patterns, com o objetivo de orientar americanos em visita àquele país. Montei os parágrafos anteriores com trechos pescados do livro, traduzido e citado sem alterações, exceto pela eliminação de partes que tirariam a surpresa do texto.Nada que lembre a Coréia de hoje, incensada pelos jornalistas e visitada por mim há pouco tempo. Pelo contrário, parece a descrição de um Brasil velho que teimosamente sobrevive. Todas as mazelas morais, econômicas e administrativas são parecidas com as nossas. Os mais pessimistas diriam que descreve o Brasil verdadeiro, o novo sendo pura miragem.É leviano tirar conclusões a partir de tão pouco. Mas podemos arriscar alguns palpites. Se a Coréia conseguiu dar a volta por cima, por que nós não podemos? Há pontos mais sutis. Ao que parece, as pessoas são vulneráveis e a moralidade não resiste à fome. Não obstante, quando as condições materiais melhoram, a sociedade se depura, as virtudes mais elevadas encontram maior espaço e os instintos mais primitivos são coibidos, num processo virtuoso em que os sucessos de um lado realimentam o outro. Tomando-se uma distância histórica, a evolução da Coréia não é tão diferente da trajetória brasileira – que também foi muito positiva até quase o fim do século XX. O problema é que nossa impaciência não tolera o ritmo da história recente. Talvez a disciplina e o estoismo dos coreanos, acumulados ao longo de 3000 mil anos de uma história sofrida, possam nos ajudar."

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