sábado, 29 de novembro de 2008



A Peleja do Encarnado X Azul
O Pastoril



As maiores pelejas que vi em minha vida, invariavelmente foram protagonizadas pelos Encarnados X os Azuis.
Na minha infância perdi as contas das tantas vezes em que torci fervorosamente pelo escarlate dos Pastoris nas festas de fim-de-ano em Maceió.


“... Boa Noite, meu senhores todos,
Boa noite, senhoras também,
Somos Pastoras, pastorinhas belas,
Que alegremente vamos a Belém...”



O amor pelo vermelho me foi ensinado por meu pai, alvirrubro de coração, mas a paixão verdadeira veio junto a uma picante pitada da imagem da Mestra do Cordão Encarnado, bela morena, que envolvida pelo curto vestido de pastora, deixava à mostra um par de roliças pernas cor de jambo. E eu, menino, sonhava que ela cantava só para mim...



“... Sou a Mestra do Cordão Encarnado,
O meu partido é do coração,
Eu peço palmas, sorrisos e flores,
Aos partidários peço proteção...”


Certa vez, no final da década de 60, no auditório do Colégio Estadual, ali na Rua Barão de Alagoas, centro da cidade de Maceió, aconteceu a coroação da rainha do Pastoril daquele ano. A disputa estava acirrada. Em meio às cantorias das jornadas e a algazarra das torcidas, as pastoras catavam a dinheirama atirada ao palco pelos estudantes. Eram notas de cinco e dez cruzeiros – com as estampas do índio e de Getúlio Vargas –, valores de pouca monta, mas que fazia a festa da garotada.
As cédulas eram desenroladas, esticadas e apregadas com alfinetes, uma abaixo da outra, nos vestidos da Mestra Encarnada ou da Contra-Mestra Azul, formando uma larga e rica fita que desde seus ombros estendia-se até o chão. O Cordão que, ao final da contenda, arrecadasse o maior valor, veria sua Mestra, ou Contra-Mestra, coroada Rainha.
E as Jornadas continuavam:


“... Meu São José dá-me licença
Para o Pastoril dançar...
...Viemos para alegrar,
Jesus nasceu para nos salvar...”



Naquele instante era visível a maior quantidade de notas de dinheiro que ostentava a feliz Contra-Mestra. Somando por alto, só pelo que se avistava, deviam tem quase mil e duzentos cruzeiros dependurados em suas vestes azuis. A desapontada Mestra não conseguia esconder sua tristeza com a evidente derrota. A desilusão de não ser coroada a Rainha do Pastoril não lhe deixava ver que em meus jovens olhos apaixonados estava escrito que ela sempre seria a princesa do meu coração.
Estávamos no final e a Jornada da Despedida já era entoada pelas pastoras. A torcida do Cordão Azul cantava sua vitória:


“... Azul é o céu, azul é o mar,
Azul é a Rainha que nós vamos coroar...”



Os encarnados lisos, e sem mais um tostão que lhes desse esperança de uma reviravolta, emudeceram. Mas, segundos antes dos acordes finais da música que anunciaria o término da peleja, viu-se voar sobre nossas cabeças duas bolinhas de papel amassadas. Cruzaram todo o auditório como estrelas-guia e foram cair aos pés da Mestra do Cordão Encarnado. As rubras pastoras correram depressa para apanhá-las, pois só seriam válidas as cédulas apregadas antes do fim da jornada. E ao desenrolar as notas de dinheiro, ficaram pasmas. O brilho que surgiu em seus rostos contagiou os partidários vermelhos que perceberam a virada do jogo.
As cédulas jogadas no palco eram, cada uma, de “um Cabral”!
Dois mil cruzeiros em notas estalando de novo!
A música acabou! Três longos segundos de silêncio se passaram até o espocar de alegria da torcida encarnada invadir todo o recinto cantando a reviravolta:


“... O Encarnado no seu Palacete,
e o Azul levando cacete...”



Nossa festa pela coroação da Mestra Encarnada contrastava com a revolta anil pela derrota no último minuto. Ainda lembro Geo Bentes, azulino roxo, que aos berros tentava entregar os últimos cruzeiros que lhe restavam na carteira à Contra-Mestra. Mais nada adiantaria, pois dois mil cruzeiros era muito dinheiro para andar no bolso de qualquer garoto de nossa idade.
Naquela tarde o Encarnado triunfou. Nunca descobrimos quem lançou aquela fortuna ao Cordão Encarnado. Durante algum tempo se falou que a Mestra coroada Rainha era afilhada de um juiz da Comarca do Passo de Camaragibe. Outros juram que ela era prometida ao filho de um usineiro. Seu paradeiro é incerto.
Aos treze anos namorei uma menina lourinha e dos cabelos de cachinhos. Ela também namorava outro menino que morava em uma rua perto da minha. Sua ambivalência amorosa se refletia nos palcos natalinos de nossa cidade. Ela era a Diana do Pastoril do Colégio Santíssimo Sacramento.



“... Sou a Diana não tenho partido,
o meu partido são os dois cordões.
Eu peço palmas, sorrisos e flores,
aos meus senhores peço proteção...”

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Pinicão!

Remexendo em seus alfarrábios, minha mãe, Professora Thereza Braga, resgatou uma carta escrita por papai, Professor Ulysses de Mendonça Braga Júnior, ao seu concunhado Manuel Diégues Júnior. Tratava-se, entre outros assuntos, de uma irreverente consulta de uma pendenga familiar, por conta da herança de um objeto de uso pessoal. Trancrevo-a aqui, na íntegra, pois ao que consta, tenho hoje cerca de um terço desta inusitada herança.


"Maceió, 13 de maio de 1958.

Meu Caro Diègues,

Recebi sua carta com as informações obtidas. Muito grato. Espantou-me a desenvoltura com que a CAC deu importância a uma denuncia verbal e logo foi apurá-la. Quem seria o diligente denunciante? Não seria a oportunidade para conseguirmos excluir de vez o meu processo de acumulação que transita no DASP há quatro anos? Aguardo os novos esclarecimentos prometidos.
- Transmiti seu recado ao Pi, que não está dando muita bola. De quem ele fala vez por outra é do Dôdô. Também do Cae. O mais ele não está dando confiança. Ele continua bem fortezinho e sabidíssimo.
- Diga a Zaira que seu Fontes continua do mesmo jeito. Quinta-feira chegou aqui o Edson e sexta o Bayron. Viajaram sábado à tarde, sendo que Edson prometeu estar aqui de volta até sexta-feira. Insistiram muito para modificar as condições em que o velho esta terminando a vida. Ele não aceitou, nem ir para o Recife, nem se internar numa casa de saúde aqui mesmo. Creio que a secretária se opõe a que ele deixe a casa, pois nela ela é dona e há suas vantagens. Eles aqui procuraram se inteirar da situação de seu Fontes e tudo mostrei. Combinaram então que se deveria evitar encrencas post mortem e decidiram tentar uma solução amigável com o dr. Luiz Buarque para o caso da Granja, mediante a entrega pelo proprietário de parte do imóvel para quitação de crédito de José Fontes e Cia.. Pediram meu parecer e eu concordei. O Byron disse-me que estaria aí no dia 23 e conversaria com v. a respeito para ter também sua solução.
- Recebi pela Marina um recado da d. Baby que está me dando preocupações. É a respeito de um velho pinicão que existia na casa dela e ficou lá em casa. Tive a infeliz ideia de emprestá-lo a seu Fontes, a pedido dele, e nunca mais tive descanso. Agora d. Baby quer que tire o pinicão de lá e deixe na casa da Liu. E aqui então começa o embeleco, que v. como jurísta e historiador pode me ajudar a deslindar. Contam os mais velhos que no começo do século o tolerante móvel aportou em Maceió, em um Ita, trazido por tia Tété de S. Paulo. Dizem que a velha mascava muito fumo de corda e isso lhe trazia frequentes complicações intestinais. Abaixar-se em um vaso comum muitas vezes ao dia não era lá muito cómodo. E o pinicão era da altura de uma cadeira e a boa velhinha podia comodamente atender ao mesmo tempo à causa e ao efeito; o fumo mascado e a diarreia constante. Contam que o estranho objeto causou admiração ao chegar, naqueles tempos longínquos, à rua de Santo Amaro, hoje Uruguay. E ao ter tia Tété e a filha, tia Pudú, de se mudarem para a rua da Praia, deixaram o pinicão na casa de seu Fontes, a título de empréstimo, pois lá ele também era de muita serventia, pois os meninos tinham de tomar, segundo a exigência paterna, dois purgativos por ano. Nem a tia Tété, nem a tia Pudú, no entanto, renunciaram à propriedade, e a presença do pinicão na casa de seu Fontes representava um simples empréstimo, a título gratuito, isto que os civilistas chamam de comodato. Morre tia Tété e a propriedade passa à tia Pudú. Morta esta, a herança é, sem dúvida, de seus filhos, Edgar, ainda vivo, e Nelson, já falecido, mas representado por dois herdeiros, Lulú e Tereza. Esta, atualmente residindo em Maceió, reclama sua parte na herança. É proprietária de um quarto do pinicão e talvez consiga, por renuncia da herança pelos demais herdeiros, a propriedade de todo o bem. E os títulos de propriedade de d. Baby, quais são? Entrego-lhe o caso, meu caro Diègues, para que v. com a lei e a história, cousas que lhe são familiares, me dê luz, pois estou ameaçado de ser também consenhor do pinicão se conseguir convolar núpcias, pelo regime de comunhão de bens, com uma das herdeiras.
E os meninos, como vão? Beije-os por mim, abraços para Zaira e os seus meninos do
Ulysses

A História da Concha do Mar!

Letra e Música de Nelson Braga. Classificou-se em segundo lugar no terceiro Festival Universitário da Música em 1981/82. Executada pela Beira Banda da Lagoa e gravada no Disco do III Festival Universitário de Música (LP em Vinil) e no Compacto Duplo da Beira Banda da Lagoa (CD em Vinil).

Na rua do Sol
Você vinha subindo ladeiras
Correndo, balançando as cadeiras
Melada de amor e suor.
Cantando um frevo
que o marinheiro pediu
olhou para o céu e sorriu
Sentiu purpurina no ar.
E foi com o sorriso aberto
E o coração alucinado
Que puxou um Cordão Encarnado
Que se formou a seu lado
De mil foliões encantados
Arlequins apaixonados
Que olhavam...
...Prá Lua
Perdida que se achou
Pelo céu caminhando e mostrou
Uma avenida na beira da praia.
E você dançou
A noite inteira
E na quarta-feira
Na lambida das ondas na araei
Você sumiu,
E surgiu
A Concha do Mar...
Lá, laiá, láiá,
Lá, laiá!

Para escutar a música, com a gravação original, acesse:

http://www.bairrosdemaceio.net/musicas/player.php?Id=225&Tipo=Musica&Clique=Sim

sábado, 1 de novembro de 2008

Samba do Crioulo Doido!

Esta história é uma contribuição ao já vasto arquivo de "pérolas" cunhadas por nossos valorosos estudantes segundaristas.
Certa noite, no início do mês de novembro, fomos eu, minha companheira e seus dois filhos mais novos, Tico, então com vinte anos, e Tuca, no auge de suas catorze primaveras, saborear uma pizza numa das barracas de nossa orla. Apesar da semelhança de suas alcunhas com os célebres esquilos Tico & Teco, hérois das histórias em quadrinhos, Tico & Tuca, com estes, só têm em comum o tamanho do cérebro!
Entre uma fatia de pizza e outra, Tico, o mais velho, puxa uma conversa:
- Véio! Quinta-feira é feriado! Vou ligar pros cara para ver o que a gente vai fazer!
Aproveitei a deixa para aferir seus conhecimentos cívicos, e indaguei:
- Você sabe o que é comemorado no dia 15 de Novembro?
Ao que Tico respondeu com a boca ainda cheia:
- Sei lá! Deve ser mais um desses feriados santo!
Antes que eu podesse corrigí-lo dissertando sobre a Proclamação da República, Tuca, que a tudo ouvia, mesmo com os olhos pregados em sua pizza cheia de catchupe, afirmou em tom professoral:
- Cabra Burro! Tudo mundo sabe que dia 15 de Novembro é a RESSURREIÇÃO DO BRASIL!!
Calei-me diante de tanta convicção. E, até hoje, tenho dúvidas se a resposta de Tuca foi um equívoco juvenil ou tratava-se de um posicionamento político!