segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Pinicão!

Remexendo em seus alfarrábios, minha mãe, Professora Thereza Braga, resgatou uma carta escrita por papai, Professor Ulysses de Mendonça Braga Júnior, ao seu concunhado Manuel Diégues Júnior. Tratava-se, entre outros assuntos, de uma irreverente consulta de uma pendenga familiar, por conta da herança de um objeto de uso pessoal. Trancrevo-a aqui, na íntegra, pois ao que consta, tenho hoje cerca de um terço desta inusitada herança.


"Maceió, 13 de maio de 1958.

Meu Caro Diègues,

Recebi sua carta com as informações obtidas. Muito grato. Espantou-me a desenvoltura com que a CAC deu importância a uma denuncia verbal e logo foi apurá-la. Quem seria o diligente denunciante? Não seria a oportunidade para conseguirmos excluir de vez o meu processo de acumulação que transita no DASP há quatro anos? Aguardo os novos esclarecimentos prometidos.
- Transmiti seu recado ao Pi, que não está dando muita bola. De quem ele fala vez por outra é do Dôdô. Também do Cae. O mais ele não está dando confiança. Ele continua bem fortezinho e sabidíssimo.
- Diga a Zaira que seu Fontes continua do mesmo jeito. Quinta-feira chegou aqui o Edson e sexta o Bayron. Viajaram sábado à tarde, sendo que Edson prometeu estar aqui de volta até sexta-feira. Insistiram muito para modificar as condições em que o velho esta terminando a vida. Ele não aceitou, nem ir para o Recife, nem se internar numa casa de saúde aqui mesmo. Creio que a secretária se opõe a que ele deixe a casa, pois nela ela é dona e há suas vantagens. Eles aqui procuraram se inteirar da situação de seu Fontes e tudo mostrei. Combinaram então que se deveria evitar encrencas post mortem e decidiram tentar uma solução amigável com o dr. Luiz Buarque para o caso da Granja, mediante a entrega pelo proprietário de parte do imóvel para quitação de crédito de José Fontes e Cia.. Pediram meu parecer e eu concordei. O Byron disse-me que estaria aí no dia 23 e conversaria com v. a respeito para ter também sua solução.
- Recebi pela Marina um recado da d. Baby que está me dando preocupações. É a respeito de um velho pinicão que existia na casa dela e ficou lá em casa. Tive a infeliz ideia de emprestá-lo a seu Fontes, a pedido dele, e nunca mais tive descanso. Agora d. Baby quer que tire o pinicão de lá e deixe na casa da Liu. E aqui então começa o embeleco, que v. como jurísta e historiador pode me ajudar a deslindar. Contam os mais velhos que no começo do século o tolerante móvel aportou em Maceió, em um Ita, trazido por tia Tété de S. Paulo. Dizem que a velha mascava muito fumo de corda e isso lhe trazia frequentes complicações intestinais. Abaixar-se em um vaso comum muitas vezes ao dia não era lá muito cómodo. E o pinicão era da altura de uma cadeira e a boa velhinha podia comodamente atender ao mesmo tempo à causa e ao efeito; o fumo mascado e a diarreia constante. Contam que o estranho objeto causou admiração ao chegar, naqueles tempos longínquos, à rua de Santo Amaro, hoje Uruguay. E ao ter tia Tété e a filha, tia Pudú, de se mudarem para a rua da Praia, deixaram o pinicão na casa de seu Fontes, a título de empréstimo, pois lá ele também era de muita serventia, pois os meninos tinham de tomar, segundo a exigência paterna, dois purgativos por ano. Nem a tia Tété, nem a tia Pudú, no entanto, renunciaram à propriedade, e a presença do pinicão na casa de seu Fontes representava um simples empréstimo, a título gratuito, isto que os civilistas chamam de comodato. Morre tia Tété e a propriedade passa à tia Pudú. Morta esta, a herança é, sem dúvida, de seus filhos, Edgar, ainda vivo, e Nelson, já falecido, mas representado por dois herdeiros, Lulú e Tereza. Esta, atualmente residindo em Maceió, reclama sua parte na herança. É proprietária de um quarto do pinicão e talvez consiga, por renuncia da herança pelos demais herdeiros, a propriedade de todo o bem. E os títulos de propriedade de d. Baby, quais são? Entrego-lhe o caso, meu caro Diègues, para que v. com a lei e a história, cousas que lhe são familiares, me dê luz, pois estou ameaçado de ser também consenhor do pinicão se conseguir convolar núpcias, pelo regime de comunhão de bens, com uma das herdeiras.
E os meninos, como vão? Beije-os por mim, abraços para Zaira e os seus meninos do
Ulysses

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