sábado, 6 de dezembro de 2008


ROSINHA DE IPIOCA

No crepúsculo de uma tarde morna de fim de verão no mês de março de 2005, acabava de sair de um dos caixas eletrônicos da agência do Banco do Brasil da praia de Ponta Verde, quando encontrei na calçada em frente, a sempre sorridente figura de uma grande amigo que herdei de meus irmãos mais velhos. Capitão Carlito Lima, cronista de mão cheia, com vários livros publicados, ocupa hoje, com méritos, uma das cadeiras da Academia Alagoana de Letras. Militar reformado e poeta de nascença, trocou a rígida disciplina das casernas nos quartéis, pelo lirismo boêmio dos bares e bordéis.
Enquanto conversávamos sobre notícias de Cicrano, ou que fim terá levado Beltrano, ou ainda as novidades de Fulano, passou por nós, felizes, um inusitado casal. Ele, um jovem senhor louro, de olhos claros e tez branca avermelhada pelo sol tropical. Ela, morena muito jovem, de olhos e cabelos da cor da asa da jacutinga, transbordava sensualidade no seu caminhar. Paramos, eu e Carlito, para apreciar a beleza alagoana que aquela menina-moça esbanjava, passeando de braços dados com seu afortunado gringo.
- Mas, olhe que formosura! Observou o Capitão, continuando a seguir:
- Antes, essas meninas lindas se satisfasiam com duas cervejinhas, uma blusa nova lá do comércio e um frasco de perfume de alfazema! Sorriam prá gente, e faziam nossa felicidade! Hoje, depois desta nova invasão galega, elas só querem saber de roupa de grife, camarão no almoço, lagosta e champanhe no jantar! Trocaram nosso pobre Real caeté, pelo Euro europeu! Roubaram nossas meninas, Nelson!!
Este comentário avivou minha memória, e relatei à Carlito Lima um fato ocorrido comigo num período de solterice, ocasionado pelo fim de um matrimônio, quando já contava com meus quarenta e poucos anos de idade.
- Que história arretada, Nelsinho! Entusiasmou-se o Capitão!
- Possa aproveitá-la para um conto? Indagou.
- Seria honra demais ter um causo meu relatado por você, Capita! Lhe respondi concordando!
Algumas semanas depois, recebi um e-mail (ou “i-½”, como grafou uma amiga) em que Carlito dizia que havia sido convidado para escrever uma coluna semanal na Gazeta de Alagoas – jornal que pertence à família Collor de Melo –, diário de maior circulação dentro do Estado de Alagoas. Para minha surpresa e alegria, Capitão Carlito avisava que sua estréia como cronista, se daria com a publicação de seu mais novo trabalho, baseado na história que eu lhe contara naquele outro dia. Anexado ao correio eletrônico, vinha este presente que transcrevo a seguir:

Desde menina Rosana ajudava sua mãe Rosália na lavagem de roupas. Eram as lavadeiras preferidas dos veranistas e moradores da praia de Ipioca. Viviam numa casa de taipa no alto da barreira, perto do local aonde nasceu o presidente Floriano Peixoto. Pela manhã Rosana amarrava a trouxa, descia para entregar as roupas lavadas nas casas à beira mar, enquanto os grã-finos se divertiam na praia, ou em suas jangadas e lanchas aportadas nas piscinas naturais formadas por arrecifes dentro do mar verde-azulado no litoral norte alagoano.
Foi durante a Copa do Mundo de Futebol de 1982. O Brasil ganhou da Argentina por 3x1, a festa se prolongou noite adentro. Rosana com seus 16 anos, corpo de mulher, morena, vestido de chita, e a euforia de menina travessa, depois de algumas cervejas e muita festa, se entregou ao namorado nas areias mornas da praia tendo como teto apenas um milhão de estrelas cintilantes. Deu seu amor e sua virgindade a Mané das Cabras, amigo de infância e namorado.
Nove meses depois, na Maternidade Pública Santa Mônica, em Maceió, nasceu Rosa, uma menina rechonchuda, sorridente, com ar matreiro irradiando alegria.
Mané das Cabras era apelido do jovem Manoel da Silva por ter sido apanhado em flagrante com uma cabra. Quando Rosa nasceu ele já havia se arribado para o sul do país. Tocava violão e cantava, queria ser músico famoso da Rede Globo. Rosa teve em seu registro, pai desconhecido. Era mais uma na família de lavadeiras.
Tornou-se uma morena bonita, rosto arredondado, cabelos crespos, nariz meio achatado, olhos amendoados, negros, de uma vivacidade incontrolável, e os lábios grossos pareciam constantemente molhados. Teve uma infância intensa, divertida, pelas praias e nos sítios de coqueiros da vizinhança. Jogava futebol com os meninos, subia em coqueiros como nenhum de seus amigos. Era conhecida em toda redondeza por sua sapequice, alegria e simpatia, lhe chamavam de Rosinha de Ipioca. Quando tomou corpo de mulher, aos 15 anos, chamava atenção por sua sensualidade. Teve a sorte de estudar no grupo escolar e a felicidade de gostar de ler romances, contos, poesias. Menina romântica se apaixonou por um belo rapaz filho de um rico comerciante. Gustavo, louro, olhos azuis, contrastava com a beleza morena de Rosa. A atração entre os dois terminou num quarto da mansão de praia da família de Gustavo. Quando souberam do desvirginamento de uma menor de idade, os pais receosos mandaram o galeguinho-do-olho-azul estudar em Pernambuco. Assim, Rosinha de Ipioca teve a primeira decepção amorosa. Prometeu-se jamais se apaixonar.
Levou uma juventude livre, cuidou-se para não engravidar. Namoradeira, os homens se encantavam com o corpo, a beleza, a sensualidade da menina. Os sortudos que tiveram a ventura de passar uma noite em seus braços gravaram para sempre a extraordinária noitada. O frescor da boca de Rosa ficou impregnado na mente, e dentro do seu ser. Ninguém, jamais esqueceu um simples beijo de Rosinha de Ipioca.
Foi nessa época que Beto, um famoso arquiteto separou-se da mulher. Deixou-a com o filho no apartamento e foi morar com um amigo de infância. Bruno, solteirão, morava na praia de Ipioca para ter preservada sua intimidade de homossexual. Beto e Bruno respeitavam a opção sexual um do outro, eram amigos, muito amigos, quase irmãos.
Certa tarde de sábado Beto tomava cerveja com uma namorada e convidados na varanda da casa. Teve uma alegre surpresa quando entrou aquela jovem com trouxa de roupas na cabeça. Rosa abriu a portinhola da frente sorrindo:
- Bruno!!!!! Olha a sua roupa limpinha pra você sujar de novo!!!!
Seu sorriso enfeitiçou o novo morador. Beto acompanhou Rosa e ajudou-a a colocar a trouxa na cama. Rosinha ficou encantada com a gentileza daquele homem. Senhor educado, bonito, e gentil; uma raridade entre os homens conhecidos. O arquiteto logo acertou também a lavagem de suas roupas.
Três semanas depois desse fato, Beto e Rosinha já conviviam e dormiam nos alvíssimos lençóis lavados e passados por Rosália e Rosana. Foi a melhor época da vida Beto. Toda manhã ele ia trabalhar no seu escritório de arquitetura no centro da cidade, e só chegava à noite na casa de Ipioca, cansado, mas no fundo, na maior ansiedade em ter Rosa nos seus braços. Vida encantadora, sem preconceitos, sem temores ou disputas de uma esposa impertinente e cobradora. Aliás, houve um bendito preconceito. Beto certa vez quis virar o disco, fazer o anal, mas Rosa tinha verdadeiro pavor, fazia tudo que Beto pedisse menos isso. Ele respeitou sua opinião, sua determinação. Rosa percebeu frustração em Beto pela recusa. Na sexta-feira quando o arquiteto chegou do trabalho ávido em carinhos de seu amor, Rosa estava acompanhada de uma amiga bonita tomando cerveja na varanda da casa. Apresentou Gal com um sorriso maroto. Quando pôde, cochichou nos ouvidos:
- Você não gosta de ir por trás? A Graça adora essa safadeza. Eu lhe trouxe de presente. Não me importo.
A partir desse dia Beto dormiu com as duas. Passou mais de um ano bígamo. Aliás, ele dizia estar num paraíso, num sonho, interrompido quando viajou para um curso de seis meses na França. Quando voltou, Rosa havia se casado.
O novo romance de Rosa iniciou no dia da vitória do pentacampeonato mundial de futebol, depois do jogo Brasil 2 x 0 Alemanha. Alguns amigos foram para casa de um simpático alemão apaixonado por Alagoas, morador e curtidor da praia de Riacho Doce, era também festa de despedida, o alemão estava voltando para sua terra. Clemens quando foi apresentado à Rosinha não só ficou encantado, disse para si mesmo que aquela menina era o amor de sua vida, apesar da diferença de idade. Dois meses depois ela viajou de malas e cuia para Munique, casaram-se. Nesses últimos quatro anos Rosa teve uma filha, e passa dois ou três meses por ano em Maceió matando a saudade da terra, da mãe e da avó que hoje moram num confortável apartamento na Jatiúca.
O destino fez com que o alemão recentemente comprasse uma enorme casa à beira-mar, em Ipioca, exposta à venda por um decadente comerciante. A mesma mansão do desvirginamento de Rosa está passando por reformas. A família Clemens virá assistir a Copa do Mundo da Alemanha pela televisão e curtir a praia de Ipioca em sua nova casa. O projeto da reforma e a administração das obras foram entregues a um amigo de Clemens, padrinho de sua filha Rose e ex-amor de Rosa, Beto, o arquiteto, que semana passada, defronte ao Banco do Brasil da Ponta Verde, me contou essa bonita história de amor de Rosinha de Ipioca."

Carlito Lima.

Agradeci a Carlito com esta mensagem:

Caro Amigo Carlito:
Impossível para mim transmitir via e.mail a emoção sentida em ver um singelo momento de minha vida transformar-se numa crônica literária tão cheia de graça, de vida, e de sensualidade, e de outras tantas coisas que só você sabe dar à suas personagens.
Foi como um TESÃO JUVENIL, uma explosão de risos, ereções e lágrimas de alegria!
John Lennon escreveu uma canção (Beautiful Boy) para seu filho onde dizia que “...vida é aquilo que acontece com a gente quando estamos ocupados fazendo outras coisas..."!
Muito Obrigado por traduzir Lennon para mim, e por me fazer compreender Pablo Neruda quando ele escreveu "Confesso que vivi!!".
de seu admirador e amigo,
"Beto", O Arquiteto de Rosa!
E ele me respondeu:
OBRIGADO DIGO EU
SEU EMAIL ESTÁ MAIS BONITO QUE A CRÔNICA
UM ABRAÇO
CARLITO

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